A descoberta parecer ter apenas aprofundado as divergências entre Lodders e Aires da Mota. Os dois, na verdade, já vinham se desentendendo desde 1978, quando Lodders se recusou a vender a casa que servia de centro clandestino de tortura ao antigo comandante da Panair. Por isso, Fernando Eduardo Aires da Mota, presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Petrópolis filho do ex-interventor, chegou a tentar matar o dono da casa. “Lodders está maluco”, defendeu-se Aires da Mota.
“Eu cumpria ordens”. O jogo de acusações e negativas que costuma acompanhar esse tipo de denúncias continuaria na quinta-feira, no Rio de Janeiro, quando médico e psicanalista Amilcar Lobo reconhecia ter estado em Petrópolis para prestar assistência médica aos presos. Ele se defendeu, dizendo que cumpria ordens do coronel Homem de Carvalho.
O coronel Homem de Carvalho, comandante da Polícia do Exército entre 1971 e 1972, e hoje na reserva e próspero empresário, proprietário de Homem de Carvalho Incorporações, também nega qualquer envolvimento. “Eu conheci o dr. Amílcar Lobo. Ele era tenente do Exército, mas nunca dei ordens para ele participar de coisas assim.”, defendeu-se o coronel. Inês Etienne já entrou na Justiça com ação contra Mário Lodders. São sés advogados o ex-ministro do Tribunal Federal de Recursos José Aguiar Dias e os deputados do PMDB Marcelo Cerqueira e Modesto da Silveira.
A casa da rua Arthur Barbosa, em Petrópolis, não foi o único “aparelho” – era assim, com o mesmo vocabulário de seus adversários de esquerda, que os órgãos de segurança se referiam a seus esconderijos – utilizado como centro clandestino de torturas. Além de suas instalações oficiais, havia um sítio em Sergipe, usado pelos órgãos de segurança de Salvador; um apartamento em Goiânia; uma casa no Recife; e dois sítios e uma casa em São Paulo.
Desses, o mais conhecido é a fazenda 31 de Março, em Parelheiros, São Paulo, usada pelo delegado Fleury e onde foi morto, entre outros, Joaquim Câmara Ferreira, o “Toledo”, na época o principal dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN). Mas havia, ainda em São Paulo, uma casa na Avenida 23 de Maio, utilizada esporadicamente para torturas, e um sítio na região de Atibaia, até hoje não localizado. Sobre esse segundo sítio sabe-se apenas que ficava próximo a um grande reservatório de água e que ali morreram vários prisioneiros cujos nomes hoje constam das listas de “desaparecidos”.
Frota contra o CODI-DOI. O mais importante, todavia, foi o “aparelho” de Petrópolis, agora descoberto por Inês Etienne Romeu. Sua localização poderá esclarecer não apenas divwersos “desaparecimentos” quanto o episódio da luta travada em surdina pelo general Sylvio Frota, então comandante do I Exército, e o CODI-DOI do Rio de Janeiro.
Apensar de profundamente anticomunista e de ser considerado um dos oficiais mais “duros” do exército, o general Sylvio Frota nunca tolerou o uso de torturas contra prisioneiros políticos. Por isso suas relações com os homens do CODI-DOI do Rio de Janeiro nunca foram muito cordiais. Elas se deterioraram ainda mais, entretanto, com a prisão por agentes do CODI-DOI de um parente de um dos oficiais de seu gabinete.
O oficial queixou-se ao comandante do I Exército de que seu parente estava torturado, e Frota ligou para então coronel Fiúza de Castro. Após esse telefonema, ele mandou que o oficial fosse pessoalmente verificar o tratamento que seu parente estava recebendo na prisão.
Ao chegar à porta do quartel da PE, na rua Barão de Mesquita, porém, o oficial teve sua entrada impedida.
O “Codão” de Petrópolis. Ao sabe disso, o general Sylvio Frota telefonou para o general Hugo Abreu, na época comandante da Brigada de Pára-quedistas, e ordenou que colocasse sua tropa de prontidão. Em seguida, ligou para o comandante do CODI-DOI para informá-lo de que seu oficial iria novamente visitar o parente. “Eu quero avisá-lo, comandante”, explicou Frota, “de que se ele não entrar, eu vou pessoalmente prender ao senhor e a sua guarnição.”
Desta vez o oficial conseguiu entrar, mas, aborrecidos com a atitude do comandante do I Exército, os homens do DOI-CODI carioca, para impedir novas interferências do comandante do I Exército, montaram o “aparelho” de Petropolis. A casa da rua Athur Barbosa, nº 668, passou a ser conhecida entre agentes dos órgãos de segurança e prisioneiros políticos como “Codão”, e ali foram torturados – e desapareceram – prisioneiros não apenas do Rio de janeiro mas também de Belo Horizonte, Goiás, Espírito Santo e até do Rio Grande do Sul, do nordeste e de São Paulo.
Ainda na quinta-feira, dia 5, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Eduardo Seabra Fagundes, encaminhou ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) o requerimento de parentes de cinco desaparecidos que sofrerão maus tratos do “Codão”, em Petrópolis. E a Comissão de Direitos Humanos da PAB, por outro lado, decidiu ouvir todos os antigos presos políticos que, em alguma época, foram tratados pelo médico Amílcar Lobo.